Soja de volta ao contêiner?


Por Érica Amores/Conteúdo Web

Depois de cinco anos de queda nas exportações de soja nas caixas metálicas, o crescimento do embarque de commodities em contêineres pelo Porto de Santos traz à tona uma importante questão: tendência ou oportunidade?

A frase é clichê, mas honesta. O Brasil é o país do agronegócio. Historicamente, a atividade é responsável por um quinto do PIB nacional. Milho, algodão e ovos puxam os resultados do mercado interno e nas exportações os destaques ficam com os grãos e o comércio de carne bovina, suína e frango. Neste cenário, a indústria nacional da soja deve se consolidar em 2020 como maior produtora mundial e exportadora líder, graças às encomendas da China. Segundo a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), neste ano a exportação de soja brasileira será de 75 milhões de toneladas. 

Como toda essa carga do complexo soja vai chegar aos mercados internacionais compradores? A maior parte em navios graneleiros, afinal, é o transporte economicamente mais viável. Outra opção é o transporte conteinerizado. Fatores essenciais ao crescimento da exportação da commodity em caixas metálicas, tais como, dólar barato, alta na importação e sobra de contêineres, seriam capazes de criar um ambiente favorável. Mas depois de cinco anos de queda nas exportações nas caixas metálicas, é factível acreditar na volta delas em maior escala?

Fato é que o contêiner nunca vai substituir o navio  graneleiro ou ser mais viável, pois ele sempre terá uma vantagem econômica maior, por ofertar o traslado de grandes volumes, lembra o consultor portuário, Fabrizio Pierdomênico. “Quando falamos do graneleiro estamos tratando da movimentação de 60 ou até 80 mil toneladas de uma única vez e com carregamento e descarregamento muito mais ágeis”. 

Contudo, em 2019, o Porto de Santos, o maior da América Latina e principal exportador da commodity no Brasil, além de movimentar 4.165.248 TEUs de cargas conteinerizadas, um novo recorde histórico, registrou crescimento bastante considerável na utilização dos cofres para a exportação de commodities. Ênfase para o farelo de soja, com 266.957 toneladas embarcadas, 57% mais que em 2018; e para o milho, com 64.573 toneladas exportadas, volume 18% maior que no ano anterior. 

Segundo Pierdomênico, embarcaram-se cargas tipicamente de transporte a granel em contêineres em dois momentos: quando há uma vantagem econômica latente ou na inexistência de infraestrutura para o descarregamento, como em alguns países asiáticos e africanos. “O contêiner nunca vai ser mais barato que o navio graneleiro, mas é possível conseguir um preço muito bom ou um frete de retorno. Outro ponto salientado pelo consultor é que alguns mercados não compram um navio inteiro de soja, açúcar ou farelo de soja. Para eles, a fragmentação das cargas em caixas faz muito sentido, assim como para portos que não têm infraestrutura, não possuem, por exemplo, um shiploader”. 

O reaproveitamento de retorno do contêiner é sempre a melhor opção para o armador, pois traz economia ao frete marítimo e ao exportador, sobretudo quando o custo de posicionamento e manuseio em um Depot (terminal que recebe o contêiner vazio de importação e/ou libera ele vazio de exportação) ou o frete para retorno do cofre vazio ao país de origem é oneroso demais. 

“Quando a caixa metálica entra em um país, passa a ter um valor de custo de transação maior em alguns casos. E para ser submetida vazia de volta à nação de origem, geralmente o custo logístico é pago pelo usuário importador ou exportador, o que exige atenção maior aos contratos de logística global, ao valor do frete multimodal da exportação de commodities agrícolas ou para evitar perdas de grãos no transporte a granel”, explica Washington Soares, diretor da Mshift System, empresa especializada em gestão de logística ecoeficiente e multimodalidade, e autor do livro Logística Sustentável.

Ainda de acordo com Soares, a maioria dos grandes armadores já tem projetos de exportação de grãos em contêineres, em especial a soja. “Existe uma tendência fortíssima de globalização do transporte da carga agrícola em contêiner. É um mercado delicado, mas também os portos sustentáveis estão preferindo manusear o cofre para melhor produtividade dos recursos dedicados ao navio. Tudo depende da harmonização da estratégia de logística internacional e nacional para exportação”, completa. 

O presidente da Câmara Brasileira de Contêineres, Transporte Ferroviário e Multimodal (CBC), Sílvio Campos, reforça a evolução da utilização dos contêineres no agronegócio, lembrando da experiência de dois produtos que hoje quase na totalidade são exportados em cofres, o café e o açúcar refinado. As cargas frigorificadas também vão todas em contêineres para outros países, não se fabricam mais navios frigoríficos, mas as embarcações chegam a ter mais de duas mil tomadas”.  

Campos afirma que a soja orgânica, de alto valor agregado, bem maior do que a tradicional, é um dos produtos do complexo que mais vem se beneficiando dos contêineres por conta do reaproveitamento dos espaços nos cofres que voltam para a China. “E a tendência é que cada vez mais aumentem seus volumes”, argumenta. 

Na ótica da logística, uma das principais vantagens de se exportar soja em contêineres é a garantia do carregamento no cais, que não precisa ser interrompido quando chove, garantindo a eficiência do embarque. Poder exportar soja fracionada, em volumes menores, é outro benefício, principalmente para exportadores e importadores de pequeno porte. Um navio graneleiro acosta no seu porto de destino e fim. Mas um despacho de cofres pode ser feito para diversas localizações a partir da mesma viagem. A garantia de envio exclusivo do produto e a preservação da qualidade dos grãos fecham a lista dos pontos de diferenciação do transporte. 

Apesar das vantagens e possíveis ventos favoráveis, a exportação de soja “encaixotada”, na visão do diretor geral da Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec), Sérgio Mendes, não é exatamente uma tendência, mas um mercado de oportunidade. Para o executivo, a conveniência era baseada no excesso de cofres. “Antes, tinha contêiner. Havia uma atividade econômica aquecida, com muita importação, então, sobravam caixas metálicas no Brasil e era muito barato exportar por meio deles”, salienta Mendes, destacando o desempenho de anos como os de 2012, 2013 e 2014. 

Em 2012, o país triplicou a exportação de soja e milho em contêineres para a China e dispensou o uso de 14 navios graneleiros. Em 2013 o Terminal de Contêineres de Paranaguá (TCP), sozinho, atingiu a marca de 10.850 unidades exportadas, 70% delas com soja e 30% com milho. Em 2014, mais de 83 mil TEUs de soja foram embarcados. Mas a euforia acabou em 2015 e, de lá pra cá, só foram anotadas perdas. Em 2019, pouco menos de 5 mil TEUs de soja foram exportados em contêineres.    

A produção da indústria brasileira encerrou 2015 com uma queda acumulada de 8,3%, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Até então, o maior recuo da série, iniciada em 2003. Com a economia em recessão e o dólar alto, as importações desabaram e, com isso, o superávit – exportações menos compras do exterior – da balança comercial registrou o maior valor em quatro anos à época. 

“Era um mercado realmente muito promissor, mas que precisava da sustentação da disponibilidade de contêineres e a realidade se mostrou diferente, começou a faltar. E por quê? A indústria decresceu, as cargas gerais caíram e a disponibilidade de contêineres também”, constata o diretor da Anec. E completa: “Paralelamente a isso, tivemos maior competitividade com cargas que estavam crescendo na modalidade de exportação em caixas metálicas, caso do algodão. Por isso, a soja, que não é essencial, teve seu ritmo de crescimento no uso da modalidade interrompido. Se exporta hoje em contêiner muito menos do que se exportava até 2014”, conclui. Dado o exposto, voltamos à pergunta lá do início da matéria: o uso de contêineres na exportação da soja em maior escala é viável? Para o consultor portuário e diretor da consultoria Agência Porto, Fabrizio Pierdomênico, a resposta é sim “quando se consegue um afretamento com preço muito bom ou um frete de retorno”. Ele lembra, ainda, que o Brasil mais importa do que exporta contêineres, então, para se equilibrar, é possível conseguir melhores negociações. 

Soma-se aqui a expectativa para 2020 de que as exportações apresentem queda e as importações cheguem a casa dos US$ 191,211 bilhões, acréscimo de 6,6% em relação aos números de 2019, de acordo com a Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB). A previsões de bancos de investimento apontam o dólar tendendo para uma pequena queda também. Se nos últimos anos a diminuição da oferta de contêineres e o aumento do dólar favoreceram as exportações e influíram nas importações, as previsões atuais de crescimento das importações e possível queda da moeda americana podem privilegiar a modalidade.  

Previsões do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos – USDA apontam o Brasil como maior fornecedor mundial de soja e o segundo maior de farelo de soja em 2028/2029. Ou seja, a commodity para exportação não vai faltar. Mas o futuro do transporte de parte dessa soja do Brasil para outros países do mundo ainda está se desenhando.  

 

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