Após decepção em 2018, indústria vê novo ano com cautela


O desempenho da indústria decepcionou em 2018 e, a despeito da melhora recente dos índices que medem as expectativas do setor, as projeções para 2019 flertam com a moderação.

No geral, a percepção é que, enquanto houver incertezas sobre o ambiente político, em especial em relação à agenda do governo de Jair Bolsonaro, os investimentos do setor seguirão relativamente paralisados, voltados apenas para pequenos projetos de modernização ou redução de custos.

A expectativa é de um crescimento ao redor de 3% para a produção industrial neste ano, mas o receio é que o setor repita a trajetória de 2018.

Em abril, economistas ouvidos pelo Banco Central chegaram a prever alta de 4,3% para a produção industrial, mas reduziram suas previsões para menos da metade disso, chegando a 1,9% em dezembro.

O ano não foi fácil. Os dados de 2018 ainda não fecharam, mas, no acumulado de janeiro a outubro, a indústria cresceu 1,8%, ante alta de 2,1% em igual período de 2017 –o que indica perda de ímpeto.

Também inspira preocupação o fato de a alta não ter se espalhado entres os segmentos. Em 2018, o setor automotivo respondeu por 70% do avanço geral da indústria.

Em 2017, essa fatia ficou em 50%, diz Rafael Cagnin, economista do Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial), que reúne 50 empresas, como Vale e Hering.

Segundo Cagnin, no pico mais recente, em 2010, quando a produção da indústria subiu 10,2%, o setor automotivo respondeu por um pouco mais de 20% dessa alta.

“No fundo, não tivemos o desempenho que se espera de um processo de recuperação. Sabíamos que ele seria lento na saída da crise porque o investimento está obstruído. Mas essa retomada não só é lenta como descontínua. A indústria não engrenou”, diz Gagnin.

Rodrigo Nishida, economista da LCA Consultores, aponta mais de uma causa para justificar a decepção com o crescimento do setor em 2018, mas diz que a frustração veio em grande parte da situação econômica argentina.

“A Argentina é muito importante para o Brasil, e o que temos visto desde o agravamento da crise, em meados do ano, é uma redução grande das exportações”, diz Nishida.

Para este ano, o temor é que os problemas no país vizinho, tecnicamente em recessão, afetem mais justamente o setor que vem segurando as pontas do desempenho industrial: o automotivo.

Além da crise argentina, Nishida lembra que a paralisação dos caminhoneiros e o período pré-eleitoral abalaram a confiança dos empresários. “Eles acabaram contaminando os planos de investimentos, que foram adiados”, afirma o economista.

Para completar o quadro difícil, diz Nishida, incidentes em refinarias e o aumento de paradas programadas da Petrobras afetaram, respectivamente, processamento de petróleo e indústria extrativa.

Cagnin, do Iedi, ressalta ainda que um conjunto de fatores que animaram a indústria em 2017 não se repetiu em 2018.

Entre eles, a supersafra agrícola, que mobilizou ramos como o processamento de alimentos, e a liberação de recursos do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), que, em parte, foi direcionada para o consumo de bens, como roupas e calçados.

Para fechar o quadro de desânimo, diz Cagnin, a alta de cerca de 5% do comércio internacional em 2017, que favoreceu a produção para exportação, não se repetiu em 2018.

Com um novo cenário político, a expectativa dos consumidores e empresários agora é que a situação melhore, diz o gerente-executivo de política econômica da CNI (Confederação Nacional da Indústria), Flávio Castelo Branco.

Ele ressalta, no entanto, que a paralisação dos caminhoneiros trouxe preocupações que ainda não estão resolvidas.

“A questão da tabela [de frete] e das multas associadas à contratação de frete abaixo do mínimo e também da nova posição [do governo] de intervenção no mercado, com subsídio para o diesel, que afetou negativamente o ambiente de negócios.”

Ainda assim, diz Castelo Branco, é esperado que as famílias mostrem mais predisposição para o consumo, em razão da maior confiança na alta da renda e do emprego, e que haja reação dos investimentos à expansão da economia e ao avanço das reformas.

“Observamos que, no fim do ano, houve uma melhora expressiva nos índices de confiança. Evidentemente isso está associado às expectativas de reformas com o novo governo”, diz o economista da CNI.

Para Cagnin, do Iedi, é preciso lembrar que expectativas são medidas subjetivas.

“Após três anos de crise e tanta confusão política, é natural que a indústria espere para 2019 crescimento mais robusto. Mas, se o presente não corroborar o otimismo, a confiança vai ser corrigida”, diz.

Para ele, ainda há muito ruído na comunicação da agenda do novo governo e o problema fiscal deve exigir alta de impostos ou corte de mais gastos –ou seja, investimentos.

Nishida, da LCA, diz que ainda há frustrações no horizonte. “O cenário internacional está mais difícil, e a Argentina deve continuar em recessão. Além disso, a evolução da economia doméstica depende da aprovação das reformas e da expectativa de investimentos”, afirma.

Fonte: Folha SP

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