Debate virtual: participantes defendem autonomia da Receita e repudiam ingerências no órgão


A proteção da Receita Federal e da sua autonomia como órgão de Estado foi o tema do debate online promovido nesta sexta (22) pelo Sindifisco Nacional para amplificar um assunto que interessa a toda a sociedade: a importância de garantir a independência das instituições de Estado e de blindá-las frente a ingerências políticas. O ministro do STF Luís Roberto Barroso, que assumirá a presidência do TSE na próxima segunda, foi um dos debatedores.

Além dele, participaram da discussão o presidente do Sindifisco Nacional, Kleber Cabral, e o senador Major Olímpio (PSL-SP). O debate, que foi transmitido pelos canais do YouTube do sindicato e do portal Poder360°, foi mediado pelo jornalista e âncora da CNN Brasil William Waack. A audiência média, ao vivo, ultrapassou 1.300 espectadores nos dois canais.

Kleber Cabral abriu a videoconferência denunciando formas veladas de interferência em órgãos de Estado, especialmente, na Receita Federal. Ele citou como exemplo a redução de 35% no orçamento do órgão em 2020, que caiu de R$ 2,8 bilhões para R$ 1,8 bilhão de um ano para outro. “O governo parece que não tem muito interesse que seu órgão arrecadador funcione bem. Ele até quer arrecadar, mas sem muito enfrentamento aos empresários ou segmentos que integram sua base de apoio. (…) O que ele (governo) faz? Corta o orçamento da Receita, que não é a única vítima. Outros órgãos de Estado estão sofrendo com essa asfixia orçamentária”, denunciou.

O presidente do Sindifisco ressaltou ainda a previsão constitucional que prioriza as administrações tributárias no que se refere à alocação de recursos. “Que país enfrentou suas crises fiscais cortando recursos da sua máquina arrecadatória? Isso não faz nenhum sentido. A Receita é responsável por 66% dos tributos arrecadados no país”, ponderou, explicando que esses recursos são vitais para que o governo cumpra suas obrigações.

Kleber Cabral mostrou também que as tentativas de ingerência na Polícia Federal, que são objeto de inquérito no STF, não são exclusividade daquele órgão. Lembrou que, mais recentemente, o presidente da República intermediou uma reunião entre o Auditor-Fiscal José Barroso Tostes Neto, secretário da Receita, e um deputado federal, filho de um líder de uma igreja evangélica. A reunião seria para tratar de autuações feitas pelo órgão. “Embora tenham nos relatado que não houve por parte do presidente nenhum ato mais ostensivo, na nossa visão, a mera participação do presidente da República numa reunião para tratar desse assunto já é uma intervenção indevida, que passa uma mensagem muito ruim”, avaliou.

Democracia – O ministro do STF Luís Roberto Barroso fez questão de ressaltar os feitos dos 30 anos da democracia brasileira – entre eles, a estabilidade institucional e monetária e a inclusão social, apesar da recessão que já dura cinco anos. “Gosto sempre de fazer um registro positivo do período democrático brasileiro. Mas a verdade é que somos uma democracia jovem, ainda estamos amadurecendo institucionalmente”.

Em seguida, Barroso fez um relato sobre a separação dos Poderes e destacou que – além do Legislativo, Judiciário e Executivo – existem “instituições que não podem ser capturadas pelo governo”. Fez referência em seguida ao que as Ciências Políticas chamam de “árbitros neutros”, o que diferencia um órgão de Estado de um órgão de governo.

“O Ministério da Saúde ou da Economia são exemplos de órgãos de governo. O presidente da República tem a livre disposição sobre esses cargos. Mas existem os árbitros neutros que não podem ser apropriados pelo governo da maioria. São o Coaf, a Polícia Federal e, certamente, a Receita Federal. Portanto, considero que a preservação da autonomia, da neutralidade e da imparcialidade da Receita Federal seja um dos elementos centrais de uma democracia”, afirmou.

O ministro também destacou que em uma democracia não pode haver perseguições, nem tampouco proteções e, por isso, seria tão importante a independência dos órgãos de Estado.

Imparcialidade – O senador Major Olímpio pontuou que “a lei é para todos” e que isso é uma máxima a ser cumprida, principalmente, na preservação de instituições que devem “se pautar permanentemente pela imparcialidade”, para que tenham “isenção em relação aos seus propósitos”. Para ele, um órgão como a Receita deveria ser considerado como aliado pelo governo, justamente por ser responsável pela arrecadação que permite o funcionamento da máquina pública.

O parlamentar também denunciou uma luta dentro do Congresso Nacional pelo aparelhamento político-partidário de órgãos como Receita e Polícia Federal. “Sempre aparece o que chamamos de ‘jabuti’ para tentar interferir na Receita, quando há alguma discussão legislativa sobre alterações na estrutura do órgão. Isso é um sonho da classe política, da qual eu faço parte, mas não comungo”.

Como exemplo das tentativas de interferência, Major Olímpio citou o afastamento de dois Auditores-Fiscais, por decisão monocrática de um ministro do Supremo Tribunal Federal. O parlamentar reforçou que a medida foi tomada porque entre os fiscalizados estavam parentes de integrantes do Judiciário e do Executivo. Outro exemplo foram as mudanças no Coaf. “Todas as vezes que vai ser discutido o cumprimento da lei, vem o ranço perverso dentro do próprio Congresso, onde existe a comunhão: ‘se é para a Receita federal, somos contra. A Receita é inimiga dos nossos amigos’”, admitiu em tom de lamento.

Debate – Para garantir a autonomia dos órgãos de Estado, o ministro Barroso defendeu que eles sejam submetidos a um orçamento impositivo e não autorizativo como acontece hoje. “No que diz respeito aos órgãos de Estado, contingenciamento do orçamento só é legítimo se houver queda de arrecadação. Fora disso, o Executivo não poderia ter poder de contingenciar porque isso é uma forma de asfixia”, explicou.

Nesse contexto, de garantir fiscalizações sem perseguições nem proteções, Kleber Cabral defendeu a regulamentação de uma Lei Orgânica que estabeleça prerrogativas e garantias à atuação dos Auditores-Fiscais, o que seria uma proteção para a classe, como ocorre em órgãos como o Ministério Público.

A proposta teve o apoio do ministro do Supremo. “Ninguém gosta de ter poder limitado, nem de ser fiscalizado. A Receita Federal incomoda poderosos no mundo inteiro. A Suprema Corte Americana vai decidir se o presidente Donald Trump deve exibir publicamente seus dados financeiros e a sua declaração de renda como qualquer cidadão que ocupa cargo público. Acho que a Lei Orgânica é um passo importante na autonomia e na definição de regras. A Receita precisa e merece das proteções institucionais de quem deve servir ao Estado brasileiro e não ao poder”, concluiu Barroso.

O debate virtual pode ser assistido no canal do Sindifisco do YouTube. Lá também estão os quatro debates sobre as “10 Medidas Tributárias Emergenciais” propostas pelo sindicato em parceria com outras entidades representativas dos fiscos para ajudar o país a superar a crise gerada pela pandemia da Covid-19.

Fonte: https://www.sindifisconacional.org.br/

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