A dragagem foi um dos temas centrais no segundo dia do congresso técnico Portos & Costas Brasil 2025, realizado nos dias 22 e 23 de setembro, no Riviera Convention Center, na Praia Brava, em Itajaí (SC). Reunindo gestores públicos, especialistas e representantes da iniciativa privada, o encontro se consolidou como um dos mais relevantes fóruns voltados à infraestrutura e inteligência portuária e costeira do país.
Atividade essencial para garantir a navegabilidade de portos e canais, a dragagem também se tornou um ponto-chave da agenda climática global. O modal aquaviário concentra 95% do comércio exterior brasileiro e responde por parte das emissões de gases de efeito estufa (GEE). Com o Acordo de Paris e as diretrizes da Organização Marítima Internacional (IMO), a meta é alcançar a neutralidade de carbono até 2050, o que exige mudanças profundas em toda a cadeia.
A Van Oord, referência mundial em dragagem, apresentou seu plano de descarbonização baseado em três escopos: emissões diretas de combustíveis, consumo de energia comprada e emissões indiretas da cadeia de suprimentos. Segundo a empresa, 68% das emissões estão ligadas à logística, o que amplia o desafio.
A estratégia passa pela substituição gradual de combustíveis fósseis por opções mais limpas — como LNG, biodiesel e metanol — e pela construção de embarcações mais eficientes, como as dragas Vox Ariane, Vox Apolonia e Vox Alexia.
No cenário brasileiro, a transição esbarra em entraves técnicos e estruturais. A compatibilidade de equipamentos para diferentes combustíveis aumenta custos e tempo de operação, enquanto a distribuição de combustíveis alternativos é limitada. Soma-se a isso a diferença de preço: dragas movidas a LNG podem reduzir em até 70% as emissões, mas custam até 14 vezes mais que embarcações convencionais.
“Historicamente, as licitações privilegiam o menor preço, em detrimento da sustentabilidade”, explica William Fronza, da Van Oord. Para ele, o futuro do setor depende da combinação entre redução das emissões, contratos mais equilibrados e uso de dragas tecnológicas.
Tecnologia e inovação
Outro destaque veio da Royal IHC. Para o gerente de negócios John Verly, a eficiência é decisiva: “Uma dragagem imprevisível e cara nunca será sustentável, mesmo com equipamentos verdes de ponta”.
A empresa apresentou soluções como dragas de motor único, com até 30% de ganho de eficiência e menor consumo de combustível; sistemas de monitoramento avançados, que reduzem impactos ambientais; e tecnologias inspiradas na natureza, como Curve Impeller e Curve Tooth, que aumentam a durabilidade e reduzem manutenções.
A aposta global também inclui protótipos movidos a hidrogênio e sistemas híbridos, como o projeto Spartacus, além da filosofia LEAF (Low Energy Adaptive Fuel), que prioriza embarcações leves, de baixo consumo e mínima tripulação.
Para além da inovação, especialistas reforçaram a importância da gestão das profundidades dos acessos aquaviários. O marítimo-portuário Calebe Sangi Silva lembrou que a eficiência “da defensa para fora” — em áreas submersas — é tão estratégica quanto a infraestrutura em terra. Batimetrias periódicas, monitoramento de assoreamento e modelagens numéricas são essenciais para garantir segurança e previsibilidade às operações.
O case de Santos
A Autoridade Portuária de Santos também apresentou estudos sobre os scouring effects — efeitos erosivos provocados pelos propulsores dos navios em manobras. Entre 2021 e 2025, a taxa média anual de erosão no Trecho 4 foi de -113 mil m³, sendo que cada manobra de porta-contêineres causa, em média, 172 m³ de erosão.
Segundo os engenheiros Frederico Vicente Doutor e Diego Martins Peres Rodrigues, compreender essa dinâmica é fundamental para orientar dragagens mais eficientes e econômicas. O uso de batimetrias de alta precisão e programas de inovação, como o PRIDE, reforçam a busca por soluções sustentáveis.
Do ponto de vista ambiental, tecnológico e de gestão, a dragagem deixou de ser apenas a remoção de sedimentos. Hoje, representa um eixo estratégico para a competitividade logística e o desenvolvimento sustentável do Brasil.