Trilhos contra a crise: iniciativa privada investe R$ 13 bilhões em novas ferrovias


Os caminhos de ferro começam a entrar, efetivamente, em uma nova fase de investimento pesado e de expansão da malha federal. No momento em que o Brasil ainda dimensiona os impactos socioeconômicos causados pela pandemia da Covid-19 e busca alternativas para minimizar os danos à população, vem do setor ferroviário uma resposta concreta, com efeitos diretos sobre o processo de retomada do país e a matriz do transporte nacional.

Em Mato Grosso, um novo trecho de ferrovia sairá do município de Água Boa (MT), para avançar 383 quilômetros até a cidade de Mara Rosa (GO), onde vai se conectar ao eixo central da Ferrovia Norte-Sul.

Essa obra dá início à prometida Ferrovia de Integração do Centro-Oeste (Fico), por meio de um acordo já firmado com a Vale. O contrato será assinado até novembro e as obras começam no primeiro trimestre de 2021, com investimento total de R$ 2,73 bilhões e prazo de quatro anos para conclusão.

Na Bahia, mais R$ 410 milhões deste mesmo acordo com a Vale já foram reservados pelo Ministério da Infraestrutura para a compra de trilhos, material que vai ser usado para conclusão do trecho central de 485 quilômetros da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol), entre as cidades de Barreiras e Caetité.

A aquisição dos lingotes será feita no início do ano que vem. O traçado inicial de 537 quilômetros da Fiol, entre Caetité e o porto de Ilhéus (BA), tem leilão de concessão marcado para o primeiro trimestre de 2021, com investimento de mais R$ 1,6 bilhão para sua conclusão.

O porto que será destino final dessa malha deixou de ser uma lenda e começou a ser construído no mês passado pela Bahia Mineração (Bamin), que confirmou participação na disputa pela concessão da ferrovia.

Ainda no primeiro trimestre do ano que vem, vai a leilão o projeto mais ambicioso de todo o setor, a Ferrogrão, com seus 933 quilômetros entre Sinop (MT) e Miritituba (PA) e investimentos previstos de R$ 8,4 bilhões somente em sua construção.

Juntos, esses três projetos somam R$ 13,140 bilhões de investimento 100% privado, ao longo de cinco anos, com injeção direta na economia já a partir de 2021. É uma guinada histórica no setor ferroviário.

A abertura de novos trechos de estradas de ferro sempre foi marcada por uma dependência crônica do dinheiro público. Ferrovia só dá retorno depois que está completamente pronta, diferentemente de uma rodovia, por exemplo, onde o construtor pode começar a utilizá-la antes mesmo de sua entrega total. O mesmo acontece com um terminal portuário ou um aeroporto. Por isso, são raridades os casos em que um investidor privado se dispôs a passar cinco anos ou mais injetando dinheiro em algo que não lhe dê retorno neste período.

A entrada pesada das empresas que acontece agora, porém, se deve a uma mudança crucial de rumo: a permissão para que as atuais concessionárias de ferrovias do país façam a renovação antecipada de seus contratos.

Essas concessões realizadas na década de 1990 – e que só venceriam entre 2026 e 2028 – começaram a ser renovadas agora, por mais 30 anos.

Em troca, o governo passou a firmar acordos financeiros bilionários, por meio do chamado “investimento cruzado”, um modelo que começa a redefinir a matriz do transporte de cargas no país.

Os novos contratos não só garantem a renovação das malhas onde a concessionária já atua, como também corrigem distorções de seus contratos atuais, permitem a modernização de trechos antigos e abrem espaço para que o governo financie projetos estruturais de expansão, trazendo para a realidade ambições ferroviárias que, nos últimos dez anos, amarelavam nas prateleiras dos gabinetes de Brasília.

As negociações firmadas agora aliviam ainda a situação crítica encarada pelo investimento público. E isso é benéfico a todos. “A restrição fiscal e a falta de recurso da União não podem ser desculpa para não buscarmos as soluções que precisamos para expandir a participação do modo ferroviário em nossa matriz de transportes”, diz Tarcísio Gomes de Freitas, ministro da Infraestrutura.

O impacto dessas ações que já estão em curso pode ser medido no curto prazo. A partir do planejamento das próprias concessionárias, a consultoria de negócios Inter.B avaliou o efeito econômico dos investimentos cruzados desenhados para todo o setor, até 2026.

Sem a renovação antecipada das concessões, as empresas têm planos de injetar R$ 24,4 bilhões em suas operações nesse período. É o que elas dispõem para ficarem à frente dos trechos onde operam, até o fim de suas concessões, e isso já é muito dinheiro.

No cenário em que os acordos são firmados antecipadamente, porém, esse investimento privado salta para R$ 43,6 bilhões, ou seja, são R$ 19,2 bilhões a mais para serem aplicados na ampliação de ferrovias em todo o país.

É esse o cenário que leva o diretor-executivo da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF), Fernando Paes, a classificar o momento atual como o mais favorável desde o processo de privatização da antiga estatal RFFSA, concluído entre 1996 e 1998. “Há uma expectativa muito concreta e de curtíssimo prazo de investimentos privados robustos, sem paralelo, talvez, até mesmo com o ciclo inicial pós-desestatização do setor.”

O Brasil, que hoje direciona entre 0,6% e 0,8% de seu PIB anual ao setor de transportes, pode estar distante do cenário ideal de 2,5% do PIB que teria de manter, por duas décadas de investimentos, para modernizar a sua matriz logística.

A materialização desses novos projetos, porém, ajuda a pavimentar o caminho para que as ferrovias, que respondem por cerca de 15% do transporte de cargas do Brasil, alcancem a meta do Plano Nacional de Logística e cheguem a 30% até 2025.

Fonte: Estadão

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