Entrevista: Luís Cláudio Santana Montenegro


O sistema portuário brasileiro é eficiente? A pergunta foi o tema da abordagem de Luís Cláudio Santana Montenegro, especialista em transporte e ex-presidente da Companhia Docas do Espírito Santos (Codesa), durante o painel “Desafios da Gestão Portuária” no VI Cidesport. Ele defende a desburocratização dos contratos portuários, de forma a otimizar o uso de espaços e facilitar o investimento privado nos portos de gestão pública. Para isso, segundo ele, é preciso enfrentar a cultura e alterar a legislação ou entregar os portos públicos para a iniciativa privada, ou ambos. Confira entrevista que ele concedeu com exclusividade para a revista Informativo dos Portos.

Informativo dos Portos: Quais são as principais dificuldades no modelo de gestão portuária no Brasil?
Luís Cláudio Montenegro: O modelo padrão é o de autoridades portuárias públicas com operação privada e a dificuldade que gera todas as outras é a de fazer contratos. Um porto vazio tem que cobrar tarifas caras e não tem dinheiro para fazer investimento. Historicamente, o Brasil gerou modelos que não colaboram com o sistema portuário. Você permite que um terminal se instale fora do condomínio portuário. Ele se instala e aí pede uma nova ferrovia, uma nova rodovia, ao invés de otimizar o que já existe. Estamos pulverizando a costa brasileira de portos, mas não temos dinheiro para fazer todas as ferrovias e rodovias necessárias. Fundamentalmente, é preciso resolver o problema de contratação que as autoridades públicas enfrentam.

Informativo dos Portos: E quais os caminhos para resolver?
Montenegro: Há dois caminhos. O primeiro deles é enfrentar o problema da legislação e da cultura e entender que a autoridade portuária precisa de muito mais dinamismo na contratação das áreas disponíveis ao mercado. No mundo inteiro, o papel da autoridade portuária é otimizar o uso dos espaços, distribuindo-os da melhor maneira que ela puder. É como um joguinho de Lego. Atualmente, não conseguimos fazer isso. O tipo de contrato é muito rígido, não é possível mudar o tipo de carga, nem a diária, não pode expandir área. Uma saída é criar novos tipos de contrato e a própria legislação, dar mais autonomia. Se alguém fizer alguma coisa errada, você trabalha na exceção. A segunda alternativa seria abrir mão de mudar a legislação, ou seja, se não tiver mesmo jeito e este for um enfrentamento quase impossível, então o caminho seria conceder para a iniciativa privada e ela faz esses contratos em nome do público.

Informativo dos Portos: Quais problemas de um e de outro? Enfrentar a legislação não seria um longo caminho de muitos anos?
Montenegro: O problema de enfrentar a legislação é cultural. Depende de como a gente olha isso de forma disruptiva ou pensarmos fora da caixa. Não é fácil, é preciso agregar todos no mesmo esforço. O modelo de conceder para a iniciativa privada também não é fácil. O privado assume com interesse no lucro e nem sempre o interesse do porto é o do lucro. Seria necessário criar uma forma de concessão tal que amarrasse este operador privado em obrigações e responsabilidades. Isso não significa, no entanto, que ele vai cumprir do jeito que gostaríamos, ou seja, a regulação fica muito complexa e difícil. Não tem modelo fácil.

Informativo dos Portos: Mas há diversos modelos em que o público concede ao privado para explorar…
Montenegro: Há sim, mas o modelo é engessado. O Porto de Itajaí, por exemplo, é público, mas com parte dos berços concedida à APM Terminals. A empresa quis crescer, mas não pode porque o contrato não permite. Bem em frente, ela enxerga um outro terminal privado crescer. E como é que compete com uma situação assim? A dificuldade nos contratos é o que gera os outros problemas. Eu acho que os dois modelos terão que caminhar em paralelo. Em alguns casos, será possível fazer a concessão. Em outros, será difícil, com a necessidade de estudar um a um. Nenhum caminho é fácil, mas ambos são possíveis de serem enfrentados.

Historicamente, o Brasil gerou modelos que não
colaboram com o sistema portuário

Informativo dos Portos: O que os principais portos do mundo poderiam ensinar a esse possível novo modelo brasileiro?
Montenegro: A questão é cultural. Os principais portos do mundo são autoridades públicas que fazem contrato com o setor privado para este fazer a operação portuária. Esse é o modelo no mundo inteiro. Só que eles fazem isso de uma forma muito mais rápida e dinâmica do que a gente. O maior interesse público é ocupar todas aquelas áreas. Quando fui presidente do Porto de Vitória, tínhamos interessados em operar fertilizantes. Havia área suficiente para colocar todos os interessados. Eu poderia fazer uma chamada pública e perguntar quem tem interesse em fazer investimentos e operar fertilizantes ali. Se fosse permitido, era possível colocar todos sem precisar cumprir o processo burocrático.

Informativo dos Portos: Desburocratiza o processo…
Montenegro: Eu também poderia fazer um contrato com uma concessionária de ferrovia. Se ela já leva carga até o porto, por que é que ela não faz o transbordo e a operação? Mas não há este modelo. O único que temos é este modelo engessado. Dá para preservar a transparência e isonomia e ocupar todas as áreas. Agora vamos imaginar que eu ocupei todas as áreas de um porto e tem mais gente querendo entrar. Eu poderia desapropriar uma área do lado e fazer crescer o porto. É assim que o mundo inteiro faz. O Porto de Roterdã já avançou duas vezes para dentro do mar. Não há escassez. Não é por falta de área que alguém vai ficar fora do condomínio. Pelo contrário, eu desejo mais empresas querendo entrar do que ficar com várias áreas vazias.

Informativo dos Portos: Qual seria o modelo ideal no sistema de gestão de portos?
Montenegro: Uma coisa é certa: nós temos que atrair a participação privada para investir. Estamos com dificuldades de recursos púbicos, precisamos de empresas. Mas, para fazer isso, é preciso dar mais liberdade para as autoridades portuárias públicas fazerem contratos e garantir investimentos. Ou então conceder o porto inteiro, deixando o privado explorar da forma como ele achar mais eficiente. Penso que teremos que usar os dois caminhos.ν

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