Para onde caminha a logística e o Comex no novo cenário?


Como serão as relações de negócios internas e externas e os caminhos que diferentes países tomarão a partir de 2020

O mundo globalizado apitou o alerta. Depois da pandemia do novo coronavírus fechar fronteiras, gerar desaceleração da economia e criar novas relações com o consumo local, a pergunta que fica é: qual o futuro do comércio exterior e da logística internacional? Como serão as relações de negócios internas e externas e os caminhos que diferentes países tomarão a partir de 2020?

A competitividade continua sendo a palavra-chave em todo esse processo. O consultor Leandro Carelli Barreto, da Solve Shipping Intelligence Specialists, diz que, em termos de comércio internacional, o Brasil segue andando “descolado” do resto do mundo, ou seja, “as quedas (onde há queda) não estão sendo tão drásticas. “Tenho a impressão de que nossa pauta exportadora é bastante concentrada em produtos essenciais, como alimentos, matérias-primas, produtos básicos, o que justifica o pequeno impacto. Já na importação, somos uma economia tão fechada e com impostos de importação tão altos que o que importamos é por necessidade mesmo”, acrescenta Barreto.

Para a presidente da Câmara de Comércio Exterior da Federação das Indústrias de Santa Catarina (Fiesc), Maria Teresa Bustamante, não há dúvidas que as relações comerciais entre os países vão mudar. Segundo a especialista, o consumidor começa a buscar novos tipos de produtos, o que gera a necessidade de reestruturação da cadeia produtiva, que vai precisar agregar mais tecnologia, ter mais cuidados no cumprimento de normas técnicas e um olhar bem mais aprimorado para as embalagens.

Novos hábitos

Outro quesito que Maria Teresa destaca é a necessidade de maior automação nas linhas de produção, visando reduzir as mãos humanas na manipulação dos alimentos, para atender as mudanças de hábito do consumidor com a pandemia. Outra coisa que vai mudar drasticamente nas relações de consumo é a maior utilização do e-commerce, que ficou bem mais acentuado durante os períodos de quarentena e é uma tendência para o pós-Covid 19. “As pessoas tendem a continuar comprando pela internet. A matriz de fornecimento será impactada, há tendência de redução da dependência dos países asiáticos e de outros fornecedores estrangeiros e um fortalecimento da indústria nacional”, acrescenta.

De acordo com uma análise da ACI Worldwide, de centenas de milhões de transações de empresas mundiais de e-commerce, a crise causada pelo coronavírus influenciou as vendas de comércio eletrônico em abril, com o setor varejista geral experimentando um crescimento de 209% em comparação ao mesmo período do ano passado. O segmento de videogames e jogos eletrônicos veio na sequência, apresentando um salto de 126% em abril.

O aumento sustentado do volume de transações de e-commerce reflete um mês inteiro de amplas restrições às atividades do comércio presencial e de outras medidas relacionadas à Covid-19, o que fica evidenciado pelo crescimento de 5,3% no volume médio de transações em março de 2020, quando medidas de isolamento social começaram a ser implementadas. “As tendências no comportamento de compras online que começamos a observar em março continuaram em abril, visto que centenas de milhões de consumidores ao redor do mundo passaram a se adaptar às restrições impostas para inibir a propagação do coronavírus,” diz Debbie Guerra, vice-presidente executiva da ACI Worldwide.

Transformação da cadeia logística

Para o presidente da Fiesc, Mário Cezar de Aguiar, este é o momento de as empresas repensarem suas estratégias. “Precisamos depender cada vez menos da exportação de insumos e exportar mais produtos manufaturados”, aponta. Entretanto, ele afirma que a falta de uma política industrial no Brasil pode prejudicar o setor em sua retomada.

Para Aguiar, Santa Catarina é um estado que tem vantagens e está muito mais preparado para ter uma corrente internacional do comércio em relação a muitos outros estados. Aguiar diz que uma das expressivas desvantagens brasileiras é o Estado obeso, inoperante, com uma carga tributária muito onerosa e que não traz resultados. Problemas que somente serão resolvidos ou minimizados por meio de uma reforma tributária.

Em Santa Catarina, de janeiro a março, segundo números do Observatório Fiesc, as exportações de proteína animal e grãos foram mantidas dentro das previsões. No entanto, de outros segmentos, tiveram redução. Essa realidade deve prevalecer ainda nos próximos meses. “Isso já era esperado dado ao fechamento das fronteiras, redução na disponibilidade de contêineres nos portos catarinenses e brasileiros, redução nos voos. As importações, por sua vez, estão retraídas devido à redução da atividade industrial”, diz Maria Teresa Bustamante.

Internacionalização das empresas

Em tempos de redução no consumo, a internacionalização das empresas pode representar a melhoria de competitividade também no mercado interno. Por isso, torna-se estratégia fundamental para as organizações, incluindo o micro e pequeno negócio. Esta foi a principal conclusão do webinar “A internacionalização como estratégia para aumentar a competitividade dos pequenos negócios perante a pandemia da Covid-19”, um debate online promovido pela Federação das Indústrias de Santa Catarina (Fiesc) e pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas em Santa Catarina (Sebrae-SC), assistida por mais de 6 mil pessoas.

O diretor-superintendente do Sebrae em Santa Catarina, Carlos Henrique Ramos Fonseca, lembra que o segmento do micro e pequeno negócio representa 99% dos estabelecimentos empresariais no estado, responde por 35% do Produto Interno Bruto, mas contribui somente com 2% das exportações catarinenses. “Nós temos que reverter este número. A internacionalização do pequeno negócio está atrelada à melhoria da competitividade e produtividade; quando uma empresa está competindo no mercado internacional, ela ganha competitividade”, salientou. Fonseca observa que uma empresa internacionalizada não necessita obrigatoriamente fazer negócios no exterior. “Ela pode participar da cadeia global de valor fornecendo para outra, que seja exportadora”, exemplifica.

“Temos a sensação de que a vaca foi para o brejo, mas a vaca de todo mundo foi para o brejo; a vaca dos nossos concorrentes no exterior também foi para o brejo”, diz a empresária Maitê Lang, da fábrica de chocolates Nugali, de Pomerode. “Uma das vantagens de ser pequeno ou médio é a capacidade de adaptação, temos a leveza de sermos menores”, acrescenta. A empresária observa ainda que, antes da pandemia, a participação em feiras e mostras internacionais era um importante fator para as exportações. No entanto, exigia elevados investimentos, o que dificultava a presença das micro e pequenas empresas. Como esses eventos serão cancelados por um período, todas as empresas, de qualquer porte, precisam criar novas estratégias de vendas, o que gera, no entendimento da empresária, uma vantagem aos micro e pequenos empreendedores.

Para a presidente da Câmara de Comércio Exterior da Fiesc, entusiasta da internacionalização das empresas, a necessidade de redução de custos é cada vez mais incontestável. Além disso, Maitê entende que deve ocorrer uma chamada imediata do desenvolvimento de fornecedores do mercado interno. Mas as empresas precisam desenvolver vantagens competitivas sustentáveis ao longo do tempo. “Ninguém vai continuar fazendo negócios como fazia antes, pois o consumidor é outro. A cultura do consumidor se adapta muito mais rapidamente do que a do empresário”, afirma. “Pensar de forma diferente significa entender o momento, ter uma visão de futuro entendendo o momento atual”, acrescenta.

Agronegócio em alta

Apesar de a economia nacional ter sido abalada pela pandemia do novo coronavírus, a participação do agronegócio nas exportações passou de 18,7% nos três primeiros meses de 2019 para 22,9% no mesmo período de 2020. O saldo da balança comercial do segmento é amplamente positivo. As saídas somaram US$ 21,4 bilhões, enquanto as entradas foram de US$ 3,6 bilhões. A China e a União Europeia são os destinos de 50,92% das exportações brasileiras do agronegócio. Os dados são do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

Entre os produtos que tiveram aumento significativo nas vendas para outros países estão o algodão em bruto (+ 69,5%, de US$ 659,2 milhões para US$ 1.117,6 milhões), a soja (+ 29,9%, de US$ 8.968,3 milhões para US$ 11.653,7 milhões) e a madeira em bruto (+ 28,9%, de US$ 26,1 milhões para US$ 33,6 milhões). No Informe Conjuntural divulgado em maio pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), a projeção é de que o Brasil venderá ao exterior US$ 205 bilhões em 2020, contra importações de US$ 169 bilhões – o que dá um saldo comercial de R$ US$ 36 bilhões.

“O momento pede que o setor se profissionalize ainda mais, que haja habilitação de novas empresas para exportações, busca de incentivos fiscais, estruturação de operações e revisão dos contratos”, fala o advogado especialista em Direito Empresarial e Internacional, Arthur Achiles de Souza Correa. “O agente exportador precisa ter mais profissionalismo, conhecer e gerenciar o processo de internacionalização. Já o Brasil precisa ser mais competitivo, diminuir a enorme quantidade de regulamentações e a demora na verificação de documentos, melhorar suas políticas cambiais e diminuir os custos financeiros elevados no mercado”, enfatiza Correa. ν

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