ARTIGO: Importadores salvos pelo coronavírus?


Por Polyanna Vilanova

A pergunta é provocativa, e a resposta, ainda que paradoxal, é sim. Somente a crise deflagrada pela pandemia tem sido capaz de sofrear o ímpeto arrecadatório de operadores portuários (OPs), que, ante a ausência de clara regulação normativa, vêm impondo sobretaxas a todos os importadores ou destinatários finais de mercadorias que fazem uso de contêineres para o acondicionamento de cargas advindas do transporte marítimo internacional. 

Direta ou indiretamente, todos eles pagam aos OPs ou aos Terminais de Uso Privados (TUPs) uma taxa adicional chamada THC2 (Terminal Handling Charge 2) ou SSE (Serviço de Segregação e Entrega). Esse valor é pago ao OP/TUP diretamente pelo importador, no momento de liberação da carga (despacho aduaneiro) no porto/terminal, ou inicialmente pelos demais Recintos Alfandegados, sendo depois repassado ao importador, que, por sua vez, se vê obrigado a repassá-lo ao consumidor final. Nem é preciso dizer que o resultado disso é o aumento do Custo Brasil.

O setor portuário é regulado desde 2001 pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), mas as discussões sobre a legalidade da exigência de pagamento da taxa THC2 precedem a criação da agência, a qual, durante mais de 12 anos, se furtou a enfrentar o problema. Com a Resolução nº 2.389/2012, a Antaq prestou um desserviço ao país, como já reconhecido pelo TCU (Tribunal de Contas da União) e em diversas manifestações do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). A omissão e a ineficiência regulatória acabaram permitindo práticas abusivas no mercado de armazenagem.

No ano passado, a Antaq editou a Resolução nº 34/2019, que em nada colaborou para a pacificação do tema. Ao contrário, a agência perdeu a oportunidade de equilibrar de forma muito simples o setor de armazenagem das operações portuárias. Ao contrário, reconheceu a taxa THC2 de importação como um serviço extra prestado, quando, na verdade, não o é e bastaria ter incluído na redação o seu escopo de abrangência, definindo o THC como a movimentação “do costado do navio até o portão do porto/terminal”, como se faz na operação contrária, de exportação, em que o mesmo THC, no sentido inverso, compreende a movimentação “do portão do porto/terminal até o costado do navio”, custo este que é pago pelo armador (transportador marítimo) ao OP/TUP e também repassado ao importador ou exportador. Hoje uma empresa que utiliza o mesmo OP/TUP paga, na importação, um preço do THC e mais o do THC2/SSE para ter seu contêiner retirado do navio e entregue no portão, enquanto, no sentido inverso, o da exportação paga apenas o THC, sem nenhum custo adicional, pela mesma movimentação, o que demonstra indisfarçável assimetria, para a qual, todavia, algumas autoridades parecem fazer vista grossa.

Fato é que, desde fevereiro de 2020, a Resolução nº 34/2019 está em vigor, e alguns operadores portuários de Santos, beneficiados pela norma legal, já anunciaram o aumento do preço do THC2 de R$ 186,00 para R$ 783,00, em franco abuso de poder de mercado. 

O novo valor ainda não foi implementado apenas em razão da crise deflagrada pelo coronavírus; os operadores estão em compasso de espera, aguardando a atenuação do quadro de pandemia para gradualmente impor o novo preço. Quem pagará essa conta? Não resta dúvida de que, como sempre, o ônus recairá sobre o consumidor, ou seja, o povo brasileiro.

Anterior TCP apoia campanha de combate ao coronavírus em Paranaguá
Próximo Allog realiza doações para ajudar no combate ao coronavírus