Transição energética: como a IMO 2023 afeta o transporte marítimo internacional


A estratégia adotada para tornar o transporte internacional cada vez menos poluente será economicamente sustentável? Qual categoria de combustível alternativo melhor se adaptará às novas regras das organizações? Será necessário renovar 100% das frotas de navios de carga?

As muitas perguntas do mercado de frete marítimo não têm respostas definitivas. Desde o dia 1º de janeiro de 2023, é obrigatório que todos os navios calculem seu Índice de Eficiência Energética de Navio Existente (EEXI) alcançado para medir sua eficiência energética e iniciar a coleta de dados para o relatório de seu indicador anual de intensidade de carbono operacional (CII).

Desenvolvidas no âmbito da estratégia inicial da IMO (Organização Marítima Internacional) sobre Redução de Emissões de GEE de Navios acordada em 2018, essas alterações técnicas e operacionais exigem que os navios melhorem a sua eficiência energética a curto prazo e, assim, reduzam as suas emissões de gases com efeito estufa.

O tema foi um dos principais focos do XXX Congresso Latino-Americano de Portos (AAPA Latino), realizado no final de 2022, em Santos (SP). O evento portuário recebeu mais de 800 representantes de autoridades portuárias, executivos, gerentes, diretores, consultores e especialistas da indústria logística, de navegação, transportes, tecnologia e terminais. Durante 3 dias, debateram temas como transição energética, cenários para o comércio internacional, investimentos em projetos portuários na América Latina, produtividade portuária e soluções inovadoras para o setor, entre outros assuntos.

Transição energética dos navios

Mas afinal, por que os navios precisam medir seus índices de eficiência energética desde o início deste ano? No fim de 2019 o assunto em pauta era a entrada em vigor do IMO 2020, que consistia basicamente na obrigatoriedade de os navios abandonarem a queima direta do combustível IFO 380 (Intermediate Fuel Oil), com emissão de 3,5% de enxofre, por um óleo mais leve chamado VLSFO (Very Low Sulphur Fuel Oil) que deveria emitir até 0,5% de enxofre a partir de 1º de janeiro de 2020. Alternativamente poderia se instalar, no futuro, equipamentos para “limpar” as emissões, os chamados “scrubbers”.

À época temia-se um brutal aumento de custos, já que o novo óleo tinha então um valor de até 80% superior ao antigo, porém, logo em seguida, entrou em cena a pandemia — e todos os seus desdobramentos, tirando o tema combustível da pauta. Robert Grantham, sócio da Solve Shipping Intelligence, citou em um artigo que a retração do comércio mundial no 2º bimestre de 2020 foi tão grande que, além da brutal desvalorização do barril de petróleo, a diferença de preço entre o IFO 380 e o VSFO chegou a apenas 20% no segundo semestre de 2020.

Segundo ele, com o mundo aparentemente tendo aprendido a conviver com a Covid-19, as questões ambientais voltam à pauta mais fortes do que nunca e a pressão para que os armadores tomem medidas concretas para reduzir a pegada de carbono no transporte marítimo é cada vez mais forte, tendo em vista que os navios são responsáveis por aproximadamente 3% das emissões globais de CO2 e GEE (Gases de Efeito Estufa), o que representa 1 bilhão de toneladas anuais lançadas na atmosfera.

De acordo com a IMO, se nada for feito, até 2050 as emissões poderão aumentar entre 90% e 130% dependendo de diferentes cenários econômicos e energéticos de longo prazo. É nesse contexto que a própria IMO coloca em prática uma nova iniciativa, chamada de IMO 2023, um programa que visa encorajar a melhoria da eficiência dos navios e a adoção de combustíveis com baixa emissão de carbono para, consequentemente, reduzir a pegada de carbono no transporte marítimo mundial. A diferença fundamental entre IMO2020 e IMO2023 é que o primeiro tinha foco nas emissões de enxofre e o segundo tem foco nas emissões de carbono e gases de efeito estufa.

À semelhança daqueles selos de eficiência energética que nos acostumamos a ver nas geladeiras, com o IMO 2023 os navios passam a ser classificados conforme seu nível de eficiência energética, por meio de três indicadores específicos: o Energy Efficiency Existing Ship Index (EEXI), o 2) Carbon Intensity Indicator (CII) e o Ship Energy Efficiency Management Plan (SEEMP). O secretário-geral da IMO, Kitack Lim, afirma que “a descarbonização do transporte marítimo internacional é uma questão prioritária para a IMO e estamos todos comprometidos em agir juntos na revisão de nossa estratégia e no aprimoramento de nossa ambição”.

Debate na AAPA

Um dos temas de maior foco no AAPA Latino foi justamente a transição energética do comércio internacional e ganhou um painel específico sobre o assunto durante o evento. Segundo Francisco Javier Orozco Mendoza, diretor comercial de Hutchison Ports México, a resposta à alternativa para os combustíveis fosseis não é facil. Dependendo do desenvolvimento de cada país, observa-se diferentes tipos de infraestrutura. “Falamos muito de automatização mas falamos pouco sobre combustíveis. É preciso ampliar este debate”, cita. No Hutchison Ports México, por exemplo, ao menos 20% dos tratores usados no terminal será elétrico.

Carlos Rocha, Gerente de Frota da Aliança Navegação e Logística, do grupo Maersk que participou do painel sobre transição energética na AAPA Latino, o setor vive um momento de transição. “No transporte marítimo, temos 5 opções viáveis. A Maersk optou pelo metanol, mas há quem tenha escolhido amônia, hidrogênio e algumas estão em uma etapa intermediária. Temos também o biodiesel e hoje, inclusive, temos também alguns navios rodando com biodiesel”, exemplifica.

Enquanto o IMO determinou a redução de 50% da emissão de CO2 até 2050 pela indústria marítima mundial, a Maersk tomou uma meta  individual bastante desafiadora: zerar emissões até 2040. “Mas não adianta apenas mudar o combustível do navio ou eletrificar o caminhão do terminal. Não adianta fazer este trabalho só nas pontas, toda a cadeia precisa ser respeitada”, cita. Rocha exemplifica, por exemplo, que não adianta cair na cilada de comprar um carro elétrico achando que está fazendo bem ao planeta, quando a bateria dele é alimentada por uma termoelétrica que queima carvão.

A evolução do debate sobre o assunto, segundo Rocha, deve ser permanente, especialmente quando se trata da relação sustentabilidade X viabilidade. Ele alerta que as metas propostas pela IMO terão efeitos colaterais. “Se vamos desacelerar as frotas mundiais para atingir o índice requerido, vamos precisar de mais navio. O debate precisa ser em nível técnico, sempre atento a algumas questões muito peculiares da navegação mundial. Navios mais velhos e menores serão muito penalizados, o que pode levar a uma corrida para a desmontagem de navios, gerando mais CO2 do que a regra está propondo”, exemplifica.

Mas e agora?

Ainda há muitas dúvidas quanto ao real impacto que a IMO 2023 poderá ter sobre os embarcadores: navios que não atingem um nível de eficiência minimamente aceitável serão retirados do mercado, reduzindo a oferta? Haverá mais pressão sobre fretes?

Estima-se que hoje apenas um terço da frota mundial não atingiria esse patamar mínimo, concentrado principalmente na frota de navios feeder. Por outro lado, a partir de 2023 muitos novos navios entrarão no mercado (28% da capacidade encomendada é de navios com até 8.000 TEUs), em boa parte para substituir os navios mais antigos que tiveram sua expectativa de vida alongada por conta da explosão da demanda e dos congestionamentos provocados pela pandemia.

Muitos combustíveis alternativos aos de origem fóssil estão sendo pesquisados para essas metas de eficiência sejam atingidas. Segundo Robert Grantham, a maioria das novas encomendas de navios já está sendo feita com vistas a essas alternativas, sendo que o mais popular no momento é o LNG (liquid natural gas), que embora de origem fóssil, é cerca de 30% menos poluente que o IFO 380 e está sendo visto como um combustível de transição, já que outras alternativas ainda estão em fase de estudos.

Os 3 indicadores que classificam a eficiência energética dos navios:

1) Energy Efficiency Existing Ship Index (EEXI)

Aplicável a todos os navios com mais de 400 toneladas, porém de maneira proporcional a um “patamar mínimo” que vai variar de acordo com os diferentes tipos, tamanhos e categorias de navios (o cálculo do EEXI tende a impactar mais os navios mais antigos).

2) Carbon Intensity Indicator (CII)

Os navios serão classificados em: A, B, C, D ou E (sendo “A” o melhor) de acordo com a emissão de GEE proporcional à quantidade de carga e a distância percorrida. Esse índice determinará o fator de redução anual necessário para assegurar a contínua melhoria da intensidade de emissão de carbono dos navio. Embarcações menores ou mais antigas tenderão a se focar em rotas curtas/regionais. O navio que por três anos consecutivos for classificado como “D” e “E” deverá tomar medidas corretivas, a exemplo de mudar o combustível, trocar de rota ou diminuir a velocidade, para reclassificar-se no nível “C”.

3) Ship Energy Efficiency Management Plan (SEEMP)

Passará a ser um documento obrigatório do navio, estabelecendo o plano para melhorar sua eficiência energética de maneira economicamente viável.

AAPA Latino 2023 será em  Barranquilla, na Colômbia

Desafios como o alinhamento às metas ambientais, a readequação da infraestrutura portuária regional e a necessidade de parcerias entre países de uma mesma região estiveram no foco do debate do XXX Congresso Latino Americano de Portos (AAPA Latino). A programação de três dias incluiu visita técnica ao Porto de Santos, além de reuniões da delegação da AAPA na América Latina, recepções e atividades sociais em locais emblemáticos e patrimoniais da cidade.

Durante o evento, o Porto de Barranquilla, na Colômbia, apresentou seu convite oficial para sediar o AAPA Latino 2023, que acontecerá no final de novembro. O programa da conferência e a feira de expositores, que pela primeira vez reuniu mais de 100 empresas fornecedoras do sector logístico e marítimo, incluiu um “Tech Show” com inovações tecnológicas e serviços. O presidente do Porto de Santos, Fernando Biral, destacou que “a integração regional é o que nos une, especialmente os países que vivem do comércio externo através dos nossos portos”. “Tivemos um número recorde de participantes, mas também uma qualidade única de palestrantes e dos grandes tópicos aqui analisados. Como Autoridade Portuária, foi uma honra e estamos muito felizes por termos recebido o congresso AAPA no nosso porto”, disse o executivo do porto anfitrião.

Zulma Dinelli, diretora do Congresso e CEO da PR PORTS, que organiza o evento, disse que “o sucesso do evento foi consequência de um ano de intenso trabalho da equipe organizadora; de um programa de conferências que conseguiu abordar as principais questões na agenda do setor marítimo-portuário ao mais alto nível; e do apoio de incontáveis empresas do setor que encontram no evento um espaço para o networking e a geração de negócios”.

Em um comparativo histórico e conjuntural do AAPA Latino, ela explica que anualmente há sempre novos temas em debate, enquanto outros permanecem atuais e  em  constante desenvolvimento desde a primeira edição, a exemplo de processos internos e integração entre portos e terminais da América Latina. Entre os desafios pontuados na última edição, estão a necessidade de definição de regras aduaneiras para os portos internacionais em moldes similares aos existentes para os aeroportos e a integração de hidrovias a partir de acordos em comum entre diferentes regiões.

Durante a agenda de conversas e painéis, os destaques incluíram “Cenários e previsões para o comércio, transporte marítimo e portos”, com Jan Hoffman (UNCTAD); Ricardo Sánchez (Caribbean Research Institute); e Marisa Lago, Subsecretária de Comércio para os Negócios Internacionais dos EUA, onde a crise económica, os umbrais de reativação pós-pandemia e os aumentos preocupantes nas taxas de frete marítimo fizeram parte da reflexão. A conclusão? Ser realista, mas não pessimista, e aproveitar as oportunidades que se apresentam na colaboração regional.

O painel “Investimentos e projetos portuários na América Latina” também se destacou, onde foi possível conhecer as diferentes iniciativas em matéria de infraestrutura e modernização que países como o Peru, Chile, Panamá, México e Honduras esperam implementar nos próximos anos. Outras sessões de alto nível foram “Transporte Marítimo 2030: Contagem Decrescente para Fechar a Divisão Digital”, onde foram revistos novos recursos de colaboração para a aplicação de tecnologias na indústria; e o espaço Charlas de Puerto – Debates Estratégicos, sob o lema “Diálogo entre Terminais, Companhias de Navegação e Autoridades Portuárias”.

Prêmio de Excelência

No final, foram entregues o Prémio de Excelência da Indústria Portuária 202, concedido conjuntamente pela AAPA e CIP-OAS e o Maritime Award of the Americas 2022, do Comitê Interamericano de Portos. Os portos e intervenientes reconhecidos em diferentes áreas de atividade foram: APM Terminals Callao (Peru); Porto do Itaqui (Brasil); Santos Port Authority (Brasil); Administración del Sistema Portuario Nacional Manzanillo (México); Terminal Internacional del Sur (Peru); Porto do Açu (Brasil) y Elvia Bustavino, Vice-ministra para assuntos marítimos e Subdministradora da Autoridad Marítima de Panamá, que foi distinguida como Mulher Destacada no Sector Portuário e Marítimo 2022.

 

 

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