ENTREVISTA: WAGNER COELHO, ADVOGADO ESPECIALIZADO EM DIREITO ADUANEIRO E MARÍTIMO


“A ausência de reforma tributária impacta tanto no mercado interno quanto na internacionalização das empresas”

Ele é uma das principais referências em Direito Aduaneiro e Marítimo no Brasil e comemora, em 2020, 15 anos de fundação do escritório Guero & Coelho, em Itajaí (SC), cidade que abriga um dos maiores complexos portuários do Brasil. Estudioso dos aspectos legais e econômicos do processo de conteinerização das cargas no mundo, Wagner é autor do livro “Contêiner – aspectos históricos e jurídicos”. Formado em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí (Univali) e mestre em Administração com ênfase em Internacionalização e Logística, trilhou um caminho focado no setor mais forte da economia da região onde atua: o do comércio exterior. O advogado acaba de lançar também o canal “Saber Comex: conhecimento dentro e fora da caixa”, onde passa a compartilhar o conhecimento adquirido nos últimos 20 anos. Confira entrevista exclusiva que ele concedeu à revista Informativo dos Portos.

INFORMATIVO DOS PORTOS: Como surgiu a ideia de montar um escritório de advocacia focado em comércio exterior? Você sentiu esta demanda do mercado?

Wagner Coelho: A ideia tem origem em função das experiências nos estágios realizados no escritório de advocacia da advogada Marta Deligdisch, na área cível, internacional e empresarial entre 1999 e 2001, e no Porto de Itajaí entre 2002 e 2003, onde estagiei no setor de estatística. Depois, fui convidado a estagiar no setor jurídico, com a advogada Jackeline Daros, atual gerente jurídica da APM Terminals Itajaí. Foram 12 meses de muito aprendizado sobre questões relacionadas ao Direito Administrativo e Portuário e suas relações com o Aduaneiro e Marítimo. Com a conclusão do curso de Direito, em 2003, voltei ao escritório da Marta Deligdisch, agora como advogado, e iniciamos o projeto de um novo escritório com foco na área empresarial voltada ao comércio exterior, em razão do crescimento vertiginoso nas operações com carga conteinerizada pelo Porto de Itajaí. Convidamos também o advogado Fabio Guero para formar a equipe que fundou o escritório.

IP: Como o processo de conteinerização das cargas definiu o foco do seu trabalho? O livro foi resultado desta sua aproximação com o tema?

Wagner: O desenvolvimento das atividades voltadas à importação e exportação com carga conteinerizada está relacionado às vivências nos estágios e na carreira de advogado e professor, com busca por aperfeiçoamento acadêmico. Nesse sentido, novamente, a Marta foi importante nesse processo, pois juntamente com a advogada Joana Stelzer, criou a primeira especialização em Direito Aduaneiro e Comércio Exterior do Brasil. Fui aluno na primeira turma, quando desenvolvi parcerias para entender melhor as complexas operações do setor. Em 2006, ajudei a fundar uma Comercial Importadora e Exportadora, período de muito aprendizado em conjunto com meus sócios e amigos, Marta, Fabio, Johana e Sacha (in memorian). Foram quatro anos de experiências, desenvolvimento de estratégias e implementação de negociações comerciais com adequação aos aspectos legais, comerciais e logísticos. Em 2010, focamos nossos esforços no escritório Guero & Coelho e realizamos a venda da Comercial Importadora para uma multinacional chilena. O fator da conteinerização foi ainda mais acentuado nas minhas atividades por conta da aplicação de perdimento realizada pela Aduana Brasileira, em 2008, em milhares de equipamentos (especialmente reefer), localizados em terminais retroportuários no entorno do Porto de Itajaí. Ingressei de forma profunda na conteinerização, com auxílio de profissionais altamente capacitados e com domínio da operação de suporte à conteinerização, com destaque para Francisco e Reginaldo (da Evolution) e Monteiro e Zé Paulo (in memorian), da SS Reefer. Também foquei em pesquisas sobre o tema da utilização no Brasil e encontrei pouco material sobre o assunto, especialmente sobre os aspectos legais de sua utilização no Brasil. No âmbito internacional, observei um crescimento em materiais técnicos e científicos sobre o tema e desenvolvi material com relações e análises entre o desenvolvimento da conteinerização e aspectos históricos e legais no Brasil. Isso deu origem, em 2011, ao primeiro livro do Brasil sobre essa temática: Contêiner – aspectos históricos e jurídicos.

IP: Você participou da primeira Comissão de Direito Aduaneiro, Marítimo e Portuário da Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Itajaí, que é pioneira no Brasil. Quais os avanços reais?

Wagner: Sim, a implementação da Comissão da Subseção de Itajaí surgiu de um projeto elaborado em conjunto com os advogados e professores Bruno Tussi, Ricardo Platchek e Fabio Guero, em 2010, por conta da ausência total de estudos jurídicos nos cursos de Direito, nas áreas de Direito Aduaneiro e Portuário, e parcial do Direito Marítimo. Isso impactava na formação de bacharéis em Direito e, consequentemente, de juízes, desembargadores, ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Supremo Tribunal Federal (STJ), membros do Ministério Público, da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), Advocacia-Geral da União (AGU), delegados de polícia, e servidores públicos em geral. Tive a honra de ser eleito presidente e auxiliar na formação da Comissão da OAB Seção Santa Catarina, com a implementação de projetos para disseminar conhecimentos jurídicos sobre o tema e equalizar a força das interpretações constantes nas decisões do Poder Executivo, quando discutidas e reanalisadas pelo Poder Judiciário. Nesse sentido, em parceria com a Univali, organizamos o 1º Congresso Brasileiro das Comissões de Direito Aduaneiro, Marítimo e Portuário, evento adotado pela OAB em âmbito nacional e que já se encontra na oitava edição. Também pleiteamos a criação de varas especializadas na Justiça Federal e na Estadual, em Itajaí, para analisar e julgar casos relacionados aos temas da comissão. Infelizmente, não fomos atendidos, devido a questões principalmente de ordem econômico-financeira, e por falta de dados estatísticos mais assertivos sobre a quantidade de processos relacionados a essa área. Nos últimos anos, afastei-me um pouco da comissão, em razão do nascimento dos meus filhos e das atividades profissionais, mas tenho acompanhado a atuação mais vinculada à realização de eventos.

IP: Do ponto de vista logístico, exportadores e importadores no Brasil se ressentem da infraestrutura inadequada. Como podemos classificar a nossa legislação aduaneira e portuária comparativamente a outros países?

Wagner: De forma geral, há uma tendência de buscarmos exemplos internacionais para formulação da legislação na área portuária e uma série de regras de Acordos Internacionais, como o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio/Organização Mundial do Comércio (GATT/OMC), aplicáveis ao ordenamento jurídico brasileiro. Algumas são positivas, mas as comparações são perigosas, por conta de inúmeras variáveis distintas em cada país. O que é muito comum, no Brasil, é tentarmos copiar modelos aplicados no exterior, sem levarmos em consideração nossos aspectos históricos, sociológicos, econômicos e jurídicos. Tudo isso somado ao modelo de governo e representatividade no Estado Democrático de Direito, extensão territorial e potencialidades distintas, com nossas commodities, indústrias e logística, dominadas por empresas estrangeiras, com impacto direto na construção de nossa legislação, que deveria ser adaptada às nossas especificidades. Isso traz reflexos no desenvolvimento econômico, que continua a refletir na formação da educação, legislação e também na aplicação dela, de forma cíclica. A base da atual legislação portuária brasileira (12.815/2013) segue a tendência internacional de viabilização de investimento na operação portuária, com possibilidade de outorga pelo Poder Público Federal da operação e até da autoridade portuária, seguindo uma tendência de utilização do modelo landlord, em que pese na prática seja observada uma confusão entre os tipos de landlord (privado, público e total), dentre outros problemas, provocada em parte pelo afastamento do conhecimento técnico sobre as relações com a legislação aplicável ao comércio exterior brasileiro e sua influência na legislação portuária e toda disseminação em terra realizada pela conteinerização, necessário para formulação de políticas públicas nessas áreas. Ainda assim, observamos avanços na regulação do setor portuário, após algumas chacoalhadas do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e do  Tribunal de Contas da União (TCU) na agência reguladora. Na legislação aduaneira, temos normas vigentes recentes semelhantes às dos principais países que compõem o comércio internacional, mas com alguns conflitos com nossa legislação interna anterior, e problemas quanto à quantidade e diversidade de normas regulamentares, preenchimento de obrigações acessórias em excesso, além da interpretação e aplicação da legislação realizada com raízes arrecadatórias, sancionatórias e discriminatórias às importações, muitas vezes sem conhecimento do contexto e dificuldades que o ambiente de negócios comerciais internacionais possui. Com a recente incorporação da Convenção de Quioto revisada, vigente a partir de maio de 2020, justamente com previsões mais modernas em consonância com a dinâmica de facilitação do comércio internacional, surge a esperança de redução na burocracia e mais equilíbrio e proporcionalidade na aplicação das normas incidentes sobre o comércio exterior para todos e não só para multinacionais ou empresas de grande porte.

IP: Quais os principais entraves jurídicos que ainda impedem o avanço do setor no país?

Wagner: Já evoluímos bastante, mas tem muita coisa para melhorar no aspecto jurídico. Um ponto importante é a qualificação dos operadores do direito e servidores públicos para auxiliar na interpretação da legislação de forma sistêmica, possibilitando fluidez e desburocratização no setor. A competição no mercado é entre cadeias/redes de suprimentos. Por isso, tanto as empresas precisam de maior aperfeiçoamento, quanto o poder público, de uma atuação menos sancionatória e mais colaborativa. Falar de reforma tributária é clichê, mas ela impacta diretamente nas atividades das empresas, tanto no mercado interno quanto na possibilidade de internacionalização, e não só pela alta carga tributária. As empresas gastam tempo, energia e dinheiro para se adequarem ao emaranhado de obrigações, enquanto deveriam investir mais em gestão, estratégias de internacionalização, desenvolvimento de novo produtos e operações logísticas. Alguns apontamentos mais específicos nesse sentido seriam um tratamento mais simplificado com tributação e cobrança de tarifas realizadas de forma mais inteligente na logística de suporte ao comércio internacional e no setor portuário, além de melhor normatização, facilitação e desoneração tributária na nacionalização de contêineres e suas peças de reposição. Em que pese a alta importância dos serviços de controle aduaneiro e administrativos sobre as exportações e importações, precisamos de regras claras e concisas sobre os procedimentos, com entendimento contextualizado das interfaces na operação do importador e exportador, e efetivo cumprimento das regras internacionais incorporadas no ordenamento jurídico, com observância de prazos, simplificação dos procedimentos e cumprimento ao princípio constitucional da inocência, da eficiência e proporcionalidade. As empresas, muitas vezes, não querem investir no Brasil e empresários brasileiros com ótimas ideias são prejudicados pela morosidade imposta para decisões sobre marcas e pedidos de patentes. É necessária também a análise dos projetos de lei para alteração da legislação sobre o comércio marítimo brasileiro, visto que a legislação vigente aplicável aos contratos de transporte marítimo e fretamento de embarcações é a Lei 556/1850, ou seja, mais de 100 anos antes do início do fenômeno da conteinerização.

IP: As commodities dominam nossa carta de exportação há muitos anos. Do ponto de vista jurídico e econômico, o que ainda falta à cadeia produtiva para avançarmos na exportação de manufaturados de maior valor agregado?

Wagner: Esse é outro problema complexo, também ligado à evolução histórica e cultural de nossa economia, legislação e formação do comércio exterior. Temos importantes exemplos de indústrias com estágios avançados de manufatura com valor agregado no mercado internacional, como WEG, Tupy, Portobello e BRF. Mas, temos também muitas multinacionais estrangeiras com domínio sobre o mercado de commodities agrícolas e minerais brasileiros, com envio das mercadorias para agregação de valor no exterior, com geração de bilhões de dólares e muito financiamento a nossos representantes, para permanência desse estágio. A disseminação do conhecimento, com a construção de pontes mais efetivas no tripé envolvendo o poder público, ensino técnico e superior e iniciativa privada, é fundamental. Há desconexão no processo de construção científica na área jurídica de suporte à logística, com uma assimetria de informações entre a realidade vivenciada no ambiente de negócios e as produções científicas, muitas delas sendo utilizadas de forma equivocadas nas tomadas de decisões. Além disso, o aparelhamento político partidário sem conhecimento técnico em pastas essenciais é outro fator que influencia no estágio em que nos encontramos e dá ensejo à insegurança jurídica, e uma busca incessante por recursos junto à iniciativa privada, que não possui regras claras sobre procedimentos de fiscalização e incentiva os ilícitos de corrupção passiva e ativa.

IP: Por que você fez um mestrado em Administração com ênfase em Logística e não na área do Direito, levando em conta a sua formação acadêmica?

Wagner: O desenvolvimento da atividade de advogado e professor me auxiliou na complementação dos meus conhecimentos. Nesse sentido, as trocas de experiências com os profissionais no mercado, professores e alunos dos cursos de Comércio Exterior e Gestão Portuária da Univali e das especialização e MBAs sempre me conduziram a uma análise mais interdisciplinar entre os aspectos legais na gestão do comércio exterior e logística, especialmente com influência da conteinerização. O surgimento do programa de mestrado profissional em Administração, com ênfase em Gestão, Internacionalização e Logística, na Univali, coordenado pela expert em internacionalização, professora Dinorá Floriani, ajudou a definição da continuação dos meus estudos, a partir das minhas ideias de maior conexão entre a academia e a prática. De fato, foi uma escolha muito importante para meu aperfeiçoamento como profissional e pesquisador do fenômeno da conteinerização, possibilitando maior embasamento sobre os aspectos legais e operacionais no uso do contêiner em diversos países. Além disso, possibilitou a apresentação de trabalhos relacionados ao fenômeno da conteinerização em congressos internacionais, como o Cidesport, organizado pelo professor Ademar Dutra, onde pude observar a necessidade de maior disseminação de conhecimentos técnicos e empíricos para auxiliar na realização de pesquisa científica voltada à operação com carga conteinerizada no Brasil.

IP: A conteinerização é um caminho sem volta ou você enxerga, em médio e longo prazo, algum outro formato de embalar esta carga em trânsito mundo afora?

Wagner: O fenômeno da conteinerização é muito amplo. No seu desenvolvimento e aperfeiçoamento fica muito claro não se tratar apenas de uma forma de unitização de carga, mas de uma revolução no sistema de transporte mundial. Ela é capaz de viabilizar a utilização do equipamento de forma padronizada em diversos lugares do mundo, com interferência direta nas alterações da geopolítica e economia mundial, da facilitação na distribuição de mercadorias, com redução de custos, e facilitação das informações sobre esse fluxo físico da carga, tanto para as empresas quanto para os controles aduaneiros. Os investimentos bilionários na container shipping industry realizados pelos grandes conglomerados da conteinerização, bem como o crescimento contínuo do tamanho dos navios full container, apontam para uma dificuldade na alteração desse sistema implementado para logística de carga internacional, no médio e, até mesmo, longo prazo.

IP: Como surgiu a ideia do Saber Comex: conhecimento dentro e fora da caixa?

Wagner: Por conta do conhecimento adquirido nos últimos 20 anos e da verificação de pouco material especializado e atualizado, sobre o setor e suas interações com os aspectos legais, foi que surgiu a ideia do projeto. A proposta é viabilizar conteúdo especializado e atualizado elaborado a partir de fontes confiáveis, para disseminar conhecimentos sobre os impactos trazidos pelo fenômeno da conteinerização na atividade portuária, de navegação e na logística no comércio internacional. ν

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